5.01.2012

Variáveis independentes (III)

Talvez seja bom começar por dizer que o novo filme de Catarina Ruivo é muito desequilibrado, mas não por isso pior, aliás, é uma obra de singular graça e desenvoltura. Para sustentar esta visão (que sei não ser partilhada) aponto dois aspectos que são, sem dúvida, sinais de um trabalho minucioso; de sucessivas escolhas acertadas.

A senhora Ruivo tem todo um trabalho sobre o desapego, coisa que alcança por opções de enquadramento e montagem.

exmplo1 - enquadramento. As personagens são sucessivamente filmadas ao longe. Lá ao fundo na praia. Lá ao fundo em Lisboa. Lá ao fundo através dos vidros de casa. Um plano longo das janelas de um prédio, onde as pessoas vivem as suas vidas. Várias cenas em que embora se converse, não ouvimos o que é dito pela distância que separa o acontecimento da lente.

exemplo 2 - montagem. O ritmo atípico com que passamos de uma cena de planos longuíssimos para sequência de montagem rápida e diálogo acelerado. Uma calma. Uma prostituta ausenta-se. Um homem descansa. Lento. De repente um estrondo. Corte para o hall da pensão, conversa-rápida-plano-contra-plano-de-180º. Mais à frente o mesmo, estamos no silêncio da casa e de repente uma mudança de ambiente; físico (passamos para a rua) e sonoro (de repente os carros, os pessoas, as ambulâncias).

Estes dois processos são esses do desapego; Ruivo não quer filmar de perto a tristeza (nem a alegria), quer dar espaço às suas personagens, respeita-as demais para se aproveitar dos seu sentimentos, filma-los em grande plano seria como na pornografia. Quanto à montagem a sensação que temos é a de um permanente reboot (peço desculpa, mas a versão portuguesa de reinício não tem a mesma graça), como que a dizer, vamos lá a ter calma que isto é só um filme. O evidenciar daquilo que normalmente é invisível (a montagem) mantêm-nos agarrados à lembrança: isto é só um filme.

Finalmente a senhora Ruivo procede de forma semelhante (essa de manter viva a consciência do objecto fílmico), reinterpretando o género thrillesco do duplo. O filme surge como coisa de género, vão-nos sendo deixadas pontas soltas que desembocarão numa revelação (mais ou menos) escabrosa. O que é relevante, é perceber que embora esse seja o argumento (talvez plot fosse a palavra mais indicada) o filme que nos é apresentado é outro. Dá-me a sensação (porque há certos buracos tão evidentes na história) que ela (a senhora Ruivo) decidiu que iria filmar um género recusando todas as convenções do mesmo (mantendo só a espinha dorsal do texto), em vês do thriller temos um drama familiar, talvez um psico-drama (que coisa horrível de se chamar a um filme). O que interessa é aquela família, a forma como se constrói e destrói um pinceladas largas. Como parece que antes de se tornar no outro, ele já o era aos poucos. Que o outro, antes de se tornar nele já havia mudado. Como se o plano fosse apenas consequência de algo externo, imperscrutável. Talvez o destino. Por isso não vale a pena correr. A ele não se foge.

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