9.14.2011

A Desmaterialização do Dinheiro e a Luta contra o Sorumbatismo

A casa de praia da minha avó tem um televisão velhinha que vai resistindo ao malefícios da maresia enferrujadora. Resiste, mas custa-lhe; custa-lhe a cor que está meio desmaiada para o verde, custa-lhe o som, que faz lembrar uma máquina de roupa já antiga. Mesmo com o naperon a baloiçar sobre a imagem, lá consegui rever Traffic, filme que deu o Oscar a Soderbergh e lhe trouxe grande parte do reconhecimento que ainda hoje o rodeia. Vendo todos aqueles filtros, todas aquelas histórias, todos aqueles actores, não posso deixar de ter grandes esperanças para Contagion. Mas mais que isso, veio-me à moleirinha uma palavra que talvez resuma todo o cinema deste senhor: Desolado.
Soderberg é o realizador do desolação, cada filme constrói, pela sua composição, quer sonora, quer (especialmente) visual, um mundo de desafectos, de solidão e abandono. Veja-se para isso os enquadramentos afastados, por trás de escadas, janelas ou portas; sentimos um realizador que tem medo das suas personagens (ou quem sabe, medo de lhes fazer mal).
A propósito de The Girlfriend Expirience tenho a salientar dois aspectos que, mais coisa, menos coisas, encaixam nesta concepção da obra do realizador.
1. Este é um filme sobre a desmaterialização do dinheiro, veja-se isto pelo facto de, salvo uma cena inicial, todo o filme se desenvolver sobre relações pagas (com mais afectos, ou menos) a cerca das quais o dinheiro não se conhece. Entenda-se ainda que quando a presença desse mesmo componente deixa de ser motriz na relação, dela com o cliente, simplesmente deixa de haver relação; ou no caso do crítico/bloguer, a relação provoca um nojo inqualificável. Note-se, aliás o plano final do filme [na imagem] que é possivelmente o único optimista; um plano em que num abraço (mesmo que pago) o dinheiro passa a representar algo físico: a felicidade. Enfim, tudo isto em parábola com a crise do mercado de capitais.
2. Pontuando a narrativa, vão-nos aparecendo cenas de músicos de rua. Vendo que tudo é comprável e vendável, estes são aqueles que sem receberem (talvez umas moedas), preenchem os dias das pessoas, de algo mais que sorumbatismo.
Não sendo um filme magnífico (aquelas cenas no avião...) consegue, apesar de tudo, ser um filme que encontra uma estratégia visual e sonora (e por isso narrativa) de trazer uma agenda política; tudo isto com um imediatismo e uma velocidade que só faz com que esta distribuição em sala só peque por tardia.

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